ARTE DIGITAL X ARTE TRADICIONAL

Interessante como em plena era digital, onde qualquer pessoa tem acesso facilitado à internet e a algum aparato tecnológico de última geração, ainda existam artistas explicando aos seus admiradores que seus desenhos são feitos “a mão", referindo-se ao uso exclusivo de técnicas e ferramentas tradicionais. Mas quanto aos que utilizam ferramentas tecnológicas? Seriam elas manipuladas com os pés e não com as mãos? Ou será que os artistas digitais simplesmente digitam meia dúzia de códigos binários em um computador e suas ilustrações saem pronta na bandeja de uma impressora? Claro que fui irônico nas últimas perguntas, pois é claro que o processo criativo, quando se faz uso de um computador, de um tablet ou mesa digitalizadora, ocorre exatamente do mesmo jeito que é feito quando um artista utiliza ferramentas tradicionais sobre papéis ou telas.  É necessário, antes de começar a desenhar e pintar, pensar em uma composição da cena, rabiscar um ou mais Layouts para se testar cores e poses dos personagens, utilizar referências fotográficas, modelos vivos ou se inspirar em outras ilustrações, fazer um esboço e efetuar a arte-final, ou seja, trocando em miúdos, o artista digital também faz suas ilustrações “a mão”. É bom frisar que estou falando de pessoas que sabem desenhar e usam as ferramentas tecnológicas com softwares específicos a fim de emular os efeitos gráficos das ferramentas tradicionais e não dos peritos em programas de tratamento de imagem como o Photoshop, que conhecem muitos truques e aplicam filtros e ajustes para transformarem uma foto em uma “pintura”, ou algo bem próximo disso.

Por vezes, mesmo vendo como um processo de criação digital realmente acontece, ainda há pessoas que preferem manter o preconceito, e não é pela falta de informação, essas pessoas realmente acham que o valor da arte está no material e nas ferramentas utilizadas e não no resultado gráfico. Chegam a dizer que valorizam os artistas que sujam suas mãos na tinta. Eu digo, como artista, que prefiro ver minhas mãos limpas e minhas obras carregadas de cores e efeitos gráficos surpreendentes, independente das ferramentas que utilizo. 

Os recursos tecnológicos que conheço emulam perfeitamente qualquer material tradicional, do lápis as canetas, marcadores artísticos, pincéis dos mais variados, bastões, aerógrafos e dos diversos tipos de tintas sobre superfícies virtuais que imitam variadas texturas de tela ou de papéis. Seja lá qual for o material usado para se ilustrar no tradicional, existe uma forma de fazê-lo digitalmente e obtendo-se o mesmo resultado gráfico. E de quebra, quem mergulha nas possibilidades dessas ferramentas tecnológicas, descobre que se pode obter resultados novos, que são muito trabalhosos e quase impossível de se fazer com as ferramentas tradicionais. Me refiro aos efeitos luminosos das cores RGB.  

Separei esse tutorial feito por Stephen Berry, ensinando a emular efeitos de uma pintura com aquarela no ArtRage. Trata-se de um software feito para ilustradores e pintores que buscam os efeitos artesanais das pinceladas reais em uma plataforma virtual, o referido tutorial ensina a ajustar o brush para emular pinceladas aguadas, mas é possível emular todos os gêneros de tintas usadas por artistas. Se você é pintor, e gosta de pintar belas aquarelas, depois que assistir este tutorial, e notar o que pode ser feito com este software incrível, vai concordar comigo que isso é simplesmente fascinante.


Assista essa videoaula no link abaixo:

fascinante. Neste ano de 2018, tive o enorme prazer de conhecer (virtualmente) o fantástico mestre Carlos Chagas. Um ilustrador de altíssimo nível e de renome, que já fez centenas de pinturas realistas e caricaturas em variadas técnicas, mas suas pinturas a guache são um luxo. No mesmo nível de suas pinturas só conheço outro mestre, o José Luiz Benicio, mais conhecido como Benicio mesmo. E pasmem, mesmo sendo um grande artista das antigas, Carlos Chagas se rendeu aos riquíssimos recursos da arte digital. Abaixo deixo uma amostra da qualidade de seus trabalhos, é uma pintura digital emulando uma pintura a guache.


Você ver outros trabalhos do mestre Carlos Chagas no seu Facebook, no link abaixo:


A arte digital dinamiza, e muito, a vida do artista. Listando os seus benefícios, temos: 

Não precisar mais gastar uma pequena fortuna em papéis, tintas, canetas, marcadores, lápis, borrachas, etc... É certo que uma mesa digitalizadora de ponta é bem cara, mas o artista pode ter acesso a modelos de mesas mais simples que custam em torno de R$ 300,00. Esse valor não é nada para um bem durável, basta você calcular o quanto gasta de material de pintura e desenho em um ano e faça as comparações. Há ótimos softwares gratuitos e de nível profissional destinados à pintura digital, basta baixa-los e pesquisar os tutoriais e testa-los. 

Para quem trabalha in house ou presta serviços como freelancer, e precisa mandar seus trabalhos pela internet, já deve ter se estressado muito no árduo processo de escanear seus desenhos feitos em papel, falo de desenhos que foram feitos em tamanho A4, que podem ser escaneados por qualquer multifuncional caseira, pois se forem feitos em tamanho A3 ou maiores, precisa-se terceirizar este trabalho às casas de impressões especializadas para escanear em tais tamanhos, nesse processo, o artista perderá mais tempo e dinheiro. Outra forma de digitalizar a arte tradicional é fotografando suas pranchas, mas não é com qualquer câmera que conseguimos fotos boas e de alta resolução. Sem falar que por muitas vezes o desenho digitalizado precisa de retoques antes de ser encaminhado para a gráfica, isso significa ter retrabalho e perda de tempo. Já na arte digital seus trabalhos já são arquivos digitais, que podem ser configurados em alta definição e podem ser impressos em tamanhos imensos, te poupando de ter que se deslocar com folhas de papel gigantescas para cima e para baixo. 

Economia praticamente infinita de material no processo criativo. Quando estamos criando, rabiscando, testando e experimentando em nossos Layouts, quantas páginas são desperdiçadas e quantas borrachas são consumidas nas centenas de correções que fazemos em nossos esboços? Não nos damos conta do quanto é gasto, mas digitalmente isso não existe, podemos experimentar sem medo de errar, simplesmente apagar traços ou criar outra camada e inserir outros traços sem desperdiçar nenhum material caro.   
Outra vantagem que me foi de suprema serventia, são os ajustes de sensibilidade da pen, onde podemos traçar e pincelar com um levíssimo passar da pen sobre a mesa ou o tablet, sem esforçar a mão. Eu que contraí tendinite, justamente na mão que empunho os lápis e canetas, sofro no momento em que tento desenhar um retrato feito com grafite ou lápis de cor, pois passo em torno de 4 hs no processo de pintura. Quem sofre desse mal sabe que o simples fato de pressionar por muito tempo o lápis ou a lapiseira contra a folha de papel, desencadeia uma dor desconfortante. Com alguns ajustes de sensibilidade em minha pen, agora posso passar horas e horas, por vezes, até mais de 8 hs fazendo sketches emulando o grafite ou o lápis de cor sem sentir absolutamente nada. 
Os arquivos digitais podem ser eternizados, não amarelam com o tempo e não precisam de retoques de tinta por causa de alguma deterioração. Claro, para isso o artista profissional e moderno precisa disponibilizar seus arquivos originais (os PSD no caso do Photoshop) em um serviço de nuvem pago, guardar somente em seus pen-drives ou HD externos é perigoso, qualquer dano ao equipamento pode-se perder tudo. Para quem desenha por hobby, e possui uma conta de e-mail no Google ou no Outlook, tem a sua disposição 15 Gb para guardar seus arquivos na nuvem, e o mais incrível, de graça. 

Facilidade no uso de foto-referências. Esse recurso é depreciado por muitos artistas, pois acham que é uma forma de trapacear, dizem que um artista tem que dominar a anatomia a ponto de desenhar uma figura humana realista sem olhar para uma pessoa ou foto. Concordo plenamente que todos os ilustradores e desenhistas devem estudar a anatomia, tanto a humana como a dos animais. Mas sejamos realistas, grandes nomes do meio usam foto-referência ou modelos vivos (hoje em dia bem menos modelos vivos), logo, é pura ingenuidade acusar o artista digital de copista, pela facilidade de se desenhar por cima de fotos, uma vez que muitos, mas muitos artistas tradicionais, usam a mesa de luz para desenhar por cima de fotos também, e a mesa de luz não é um recurso digital. Acredito que os iniciantes precisam ter esse tipo de treino, mas concordo que fica feio para um desenhista experiente persistir nesse hábito. Para este fato, basta que cada artista faça uma autoavaliação, e exija de si mesmo não só desenhar por cima, mas saber lustrar qualquer coisa ao lado da foto que se usa para a referência. 

Sei também que há situações em que a arte digital não é favorável. Um exemplo disto são os concursos de ilustrações e desenhos onde são solicitadas obras físicas, ou o caso de o artista querer expor suas obras em salões e galerias de arte. É claro, nestes casos os trabalhos devem ser feitos em papel, tela ou outro material físico. E o período de transição em que o artista está conhecendo os recursos da arte digital, se este artista estiver usando uma mesa digitalizadora das mais simples, terá que praticamente reaprender a desenhar, adaptar seu cérebro a riscar na mesa olhando para o monitor do notebook ou PC, é uma tarefa árdua que demanda tempo, muitos desistem e preferem permanecer com suas técnicas tradicionais. 

Outro fato que faz com que muitas pessoas desvalorizem a arte digital, a não exclusividade de uma obra pintada digitalmente, pois um arquivo “original”, aquele salvo na extensão própria do programa de pintura, é facilmente duplicado ao passo em que uma pintura pincelada em tela ou papel é única. Mas vamos analisar friamente os dois casos citados. Será que a disseminação da arte digital não seria uma oportunidade de modernização dos velhos museus e galerias de arte?
  
Lembro que visitei a Casa de Cultura do Banco do Brasil no Rio de Janeiro com minha esposa. Queríamos presenciar os quadros do famoso Pablo Picasso. Havia, além de vários quadros “originais”, uma extensa parede branca medindo 3,50m de altura por 7,74m de comprimento, e haviam por ali algumas lanternas especiais, que ligávamos e apontávamos para a parede branca. A luz emitida dessas lanternas revelava partes do quadro mais famosos de Picasso, o Guernica. Ou seja, não vimos o quadro original e super valioso, mas sim uma cópia virtual mostrada de uma forma inusitada e criativa. Sabemos também que normalmente nessas exposições, o que vemos pendurado na moldura não são as preciosas peças originais, onde o os grandes mestres pincelaram, e sim cópias perfeitas destes trabalhos.

Imagem baixada do site:


Então questiono o seguinte:  Porque um original detém consigo tanto valor? Ver uma cópia, tão idêntica que achamos que é a original, não causa o mesmo efeito que ver a obra original?  
Um especialista em obras de arte ou um colecionador repreenderia bravamente meu questionamento alegando que a preciosidade não está no efeito gráfico que um quadro provoca em seus espectadores, mas o fato de terem sido pintadas por gênios da 3ª arte. Daí os provoco com mais uma pergunta: uma obra antiga e rara que foi retocada por artistas atuais e anônimos, ela tem o mesmo valor? Uma vez que as novas camadas de tinta não foram pintadas pelo seu autor? 

Penso que pessoas modernas, que desfrutam de tecnologia por todos os lados, deveriam pensar de forma menos preconceituosa e tradicionalista. E terem a ciência de que um software, uma mesa com sua pen, um tablet ou computador, não passam de simples ferramentas, e que o talento criativo ainda é mérito do artista.

Comentários

  1. Experiência vivida ao longo de quase um ano, e no decorrer deste puder ver o longo tempo dedicado para se aprender a manusear a ferramenta. Mas é inquestionável e concordo com você, como leiga que sou, vivenciando e acompanhando sua trajetória a cada dia vejo a sua dedicação e como é um trabalho de um bom artista. Fato é que quem fala que uma criação, que é digital, foi facilitada pelas ferramentas certamente é alguém que não sabe valorizar o talento de quem cria e nem tem dimensão de como se dá na prática o processo criativo. Um trabalho árduo, mas gratificante de ver o resultado depois de tanto tempo e noites de sono empenhadas para a conclusão de um bom trabalho.
    Parabéns pelo artista que és e pelo artista que a cada dia você empenha ser, sempre procurando novas ferramentas e sempre antenado com o que há de novo e atual!

    ResponderExcluir
  2. A tecnologia tá ai e nao tem como fugir dela, a arte digital nao é trapacear, por trás de cada traço, rachura, sombreado, ou cores sempre vai ter um artista talentoso por trás, o tema foi magistralmente abordado meu amigo.

    ResponderExcluir
  3. Adorei o texto e foi bastante esclarecedor. Na minha opinião, as grandes exposições precisam se reinventar sim, porém eu acredito que uma breve fuga do mundo tecnológico, e um passeio por obras de artes e aprecia-las de perto, tbm faça bem pras nossas cabeças. Falo em 2021 e sinto falta de poder estar longe da tecnologia, me sinto um pouco preso demais.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

COMO ALTERAR O BLENDER 2.79 PARA PORTUGUÊS

BLENDER - UM DOS MELHORES PROGRAMAS DE MODELAGEM 3D